Por Michele Rodrigues, neuropsicopedagoga
A integração sensorial é um processo neurológico fundamental que permite ao cérebro organizar e interpretar os estímulos captados pelos sentidos, como visão, audição, tato, paladar, olfato, equilíbrio (sistema vestibular) e percepção corporal (propriocepção). Essa habilidade é essencial para que a criança reaja ao ambiente de forma funcional, adaptativa e segura.
Em crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), é comum observar alterações no processamento sensorial, que impactam diretamente seu comportamento, comunicação, aprendizagem e interação social, gerando hiper-reatividade (excesso de sensibilidade) ou hipo-reatividade (resposta diminuída) aos estímulos (Brasil, 2021). Esse aspecto, embora ainda pouco conhecido fora dos contextos clínicos e educacionais, é uma das chaves para compreender muitas das dificuldades enfrentadas por essas crianças no dia a dia.
O que é disfunção de integração sensorial?
De acordo com a terapeuta ocupacional Jean Ayres (1989), pioneira nos estudos sobre o tema, o cérebro integra os estímulos sensoriais para orientar o corpo e as emoções. Quando essa integração falha, a criança pode apresentar:
- Hiper-reatividade sensorial: quando há sensibilidade excessiva a estímulos (ex.: barulhos, texturas, cheiros);
- Hipo-reatividade sensorial: quando a resposta aos estímulos é muito reduzida ou ausente (ex.: não perceber dor ou não reagir a sons altos);
- Busca sensorial: quando a criança procura de forma intensa certos estímulos, como se balançar, bater objetos ou pressionar o próprio corpo.
Estudos mais recentes, como o da American Occupational Therapy Association (AOTA, 2022), indicam que até 80% das crianças com TEA apresentam algum tipo de desregulação sensorial.
Exemplos de sinais de disfunção sensorial no dia a dia
Os sinais de uma integração sensorial atípica podem se manifestar de formas diversas, muitas vezes interpretadas erroneamente como “birra” ou “falta de limites”. Alguns exemplos:
- Recusa a certos tecidos ou etiquetas de roupa;
- Cobrir os ouvidos com frequência ou reagir mal a barulhos comuns (ex.: campainha, secador, gritos);
- Andar na ponta dos pés;
- Procurar apertar objetos, se enrolar em cobertas ou se esconder em cantos fechados;
- Dificuldades motoras: evitar escorregadores, cair com frequência, ter medo de subir degraus.
Por que isso importa na escola?
No ambiente escolar, reconhecer esses sinais é fundamental. O ambiente é riquíssimo em estímulos: sons, luzes, cheiros, interações sociais, mudanças na rotina. Para uma criança com TEA, isso pode ser intensamente desorganizador se ela tiver dificuldade em filtrar ou processar essas informações.
Professores atentos a sinais como agitação súbita, isolamento, resistência a atividades específicas ou reações desproporcionais a estímulos simples podem ser fundamentais para encaminhar a criança à avaliação adequada.
A escola, quando sensibilizada para o tema, torna-se uma aliada no planejamento de intervenções pedagógicas personalizadas, com apoio da equipe multidisciplinar (psicopedagogo, terapeuta ocupacional, psicólogo, fonoaudiólogo).
O papel da Terapia Ocupacional com abordagem sensorial
Na bloomy, a integração sensorial é uma das abordagens terapêuticas fundamentais. Através da Terapia Ocupacional, a criança é exposta a estímulos de forma controlada e estruturada, com o objetivo de:
- Aumentar sua capacidade de autorregulação;
- Melhorar a atenção e o engajamento nas tarefas escolares;
- Reduzir comportamentos desafiadores relacionados à sobrecarga sensorial;
- Estimular habilidades motoras e funcionais no brincar, na alimentação e na interação social.
Como reforçam Oliveira e Souza (2022), crianças que participam de programas de intervenção sensorial apresentam melhora significativa na autorregulação e no desempenho acadêmico.
Escuta e acolhimento como caminhos de inclusão
Compreender a integração sensorial como parte do perfil neurológico do TEA é dar um passo importante na direção da inclusão real. Isso significa ouvir mais, julgar menos, adaptar mais — e estar disposto a construir pontes.
Na bloomy, trabalhamos com cada criança de forma individualizada, respeitando suas necessidades sensoriais e envolvendo a família e a escola em todo o processo. Porque quando todos falam a mesma linguagem — a do respeito, da ciência e da empatia — os avanços acontecem de forma mais leve, contínua e verdadeira.
Cuidar dos sentidos é cuidar da experiência de ser criança.
Referências
Brasil. (2021). Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas do Comportamento Agressivo no Transtorno do Espectro do Autismo. Ministério da Saúde. https://static.poder360.com.br/2021/12/pcdt-tea-comportamentoagressivo-18dez2021.pdf Oliveira, P. L. de., & Souza, A. P. R. de. (2022). Terapia com base em integração sensorial em um caso de Transtorno do Espectro Autista com seletividade alimentar. Cadernos Brasileiros De Terapia Ocupacional, 30, e2824. https://doi.org/10.1590/2526-8910.ctoRE21372824